Professoras, nesta sexta (09/02), uma notícia tirou-me o sossego: “UFRJ aprova título de doutor honoris causa a Gilberto Gil”. Com essa chamada, o jornal O Globo destaca o merecido reconhecimento ao imortal baiano da cultural brasileira.
Não seria esse fato, por si, motivo para minha inquietude. Ocorre que, numa busca mais atenta no Google por outros exemplos de artistas homenageados, quase não havia resultados a respeito, no que, para mim, ficou claro que as universidades públicas brasileiras, embora corriqueiras na concessão dessa honraria a diversos outros protagonistas sociais, apresentam pouca aderência ao reconhecimento à contribuição que grandes nomes da música brasileira legam à sociedade.
Esse assunto, que pode parecer de menor importância para algumas pessoas, de fato encontra poucas vozes no debate público dispostas a questionar o cenário, mas, felizmente, há gigantes refletindo a respeito. Ou melhor, titãs. É o caso de Charles Gavin, integrante da lendária banda Titãs.
Tempos atrás, ao ler uma manchete similar à que abriu esse texto, dando conta de que a universidade de Salamanca (Espanha) homenagearia Caetano Veloso com o título de doutor honoris causa, Gavin postou em seu perfil no Instagram:
“Até quando vamos invejar ações como esta, da Universidade de Salamanca, da Espanha? E também de iniciativas como a da Universidade de Coimbra, de Portugal, que convidou Adriana Calcanhotto para ministrar um curso de composição, e Emicida, para realizar uma residência abordando novas formas de empreendedorismo. E vocês?”
O titã pareceu incomodado com a aparente impressão de que a academia mantém-se longe do universo musical, sem que haja motivo para isso, vez que, pela conexão entre arte e ciência, o caminho natural seria oposto ao contexto abordado em suas ponderações. Tanto assim, que Gavin, ao final de sua manifestação, ilustrou bem a dramaticidade da situação, ao revelar uma confidência de Caetano Veloso a ele:
“Na última vez em que estivemos juntos, em 2021, perguntei pra Caetano se alguma vez alguma universidade federal ou estadual lhe homenageou ou lhe chamou para falar de sua obra discográfica, de sua música, trajetória e por aí vai. A resposta: nunca!”
Pois bem, Professoras, por curiosidade, resolvi pesquisar a fundo sobre o assunto (concessão de honoris causa a artistas) e, para minha surpresa, descobri que, de fato, infelizmente, essa prática ainda é rara no Brasil, como Charles Gavin deu pistas ao chamar atenção para a discussão.
Do levantamento realizado sobre o tema, começo mostrado o resumo do que há:
Deste quadro-resumo, veja que há registros de apenas 19 concessões de honoris causa a artistas brasileiros, por universidades públicas, federais e estaduais, realizadas ao longo de décadas. E mais: são apenas 11 artistas homenageados, sendo 7 homens e 4 mulheres. Além disso, 11 dos 19 títulos foram concedidos apenas nos últimos 10 anos (!), e a única homenagem feita no Rio Grande do Norte ocorreu há mais de 20 anos, quando a UFRN escolheu Bibi Ferreira.
Então, enquanto cidadão e entusiasta das homenagens em vida, lhes faço um pedido: a partir destas duas instituições memoráveis que ajudam a forjar nossa identidade potiguar, contribuam para mudar o cenário aqui discutido. E comecem sem sair de casa: reconheçam grandes artistas potiguares, antes de exaltar a obra daqueles de outras partes do Brasil, já que temos vivos, nos mais variados segmentos musicais, talentos como Carlos André, Dorgival Dantas, Gilliard e Roberta Sá, entre outros possíveis. Quaisquer desses intérpretes e compositores são dignos do título de Doutor Honoris Causa.
A causa é nobre; a honra, necessária; os doutores, conhecidos. Faltam os títulos. Pensem com carinho sobre…