É o pau, é a pedra, é o fim do caminho…
Peço licença aos imortais Tom Jobim e Elis Regina para falar das águas de março, sobre o que elas trazem em seu desaguar no universo da política. É que, dias atrás, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade das restrições de acesso às chamadas ‘sobras’ eleitorais estabelecidas no bojo da Lei 14.211/2021, que introduziu entre novas regras no Código Eleitoral, algumas relativas às disputas proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais). Com essas alterações, não mais apenas os partidos que atingirem 80% do quociente eleitoral estarão na briga pelas cadeiras, mas todas as demais siglas partidárias disputarão a última rodada de distribuição. E a consequência principal dessa mudança é que partidos menores, dos pequenos aos grandes colégios eleitorais, agora terão chances reais de eleger seus candidatos nas câmaras de vereadores de todo país, antes pouco provável de acontecer, já que a tendência com a então regra geral de 80/20 era de concentração dos eleitos entre os partidos maiores. Sem dúvida alguma a decisão do STF tornou-se ‘pedra no sapato’ daqueles que contavam com eleição facilitada em 2024 por integrarem as mais prestigiadas legendas partidárias.
É o fundo do poço, é o fim do caminho…
Não bastasse o STF ter alterado importante regra a poucos meses do pleito, na mesma semana o TSE editou 12 resoluções (imagem a seguir) para subsidiar o processo eleitoral deste ano, com diversas atualizações à Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), e ampliar o rigor fiscalizatório sobre partidos e candidatos. Há várias novidades, entre as quais destaco:
- PROPAGANDA ELEITORAL: regulamentação do uso de inteligência artificial (proibição de deep fakes), vedação da transmissão de lives de candidatos por veículos de comunicação, permissão de manifestação política por artistas em público ou em suas mídias sociais;
- ILÍCITOS ELEITORAIS: caracterização de fraudes à lei de cotas de gênero, utilização indiscriminada de mensagens digitais, padronização da publicidade institucional, utilização de aparato empresarial para coação de colaboradores em relação às preferência ao voto, regras para local de promoção de lives em casa de candidatos;
- DISTRIBUIÇÃO DO FEFC: obrigatoriedade de disponibilização pelos partidos em suas páginas oficiais dos valores recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), bem como dos requisitos utilizados para definição dos valores destinados a cada candidato;
- PESQUISAS ELEITORAIS: obrigatoriedade do instituto contratado enviar ao TSE, no dia seguinte à publicização da pesquisa, o relatório completo com os resultados dela, e no caso de pesquisa realizada com recursos próprios, obrigatoriedade do instituto enviar o Demonstrativo do Resultado do Exercício do ano anterior ao da realização das eleições;
- ATOS GERAIS: disciplinamento da gratuidade para eleitores no transporte coletivo durante o dia da votação.
O conjunto das mudanças trazidas pelas resoluções da corte superior eleitoral ao pleito deste ano sinaliza para o endurecimento da postura da justiça eleitoral sobre os fatos ocorridos antes, durante e após o período oficial de campanha. Com uma posição mais rigorosa e atenta aos acontecimentos, o TSE e os TRE´s fecham o cerco sobre condutas até então negligenciadas pela legislação brasileira, e jogam ‘água no chope’ dos planos dos que imaginavam uma eleição bem tranquila para si.
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto…
Nem tudo é ruim nessa chuva de novas regras da justiça eleitoral. Há uma ajuda que, embora pontual, chega pra ficar, e mudará a correlação de forças políticas atuais: a chamada janela partidária, que inicia hoje, dia 7, e vai até 5 de abril. Trata-se de uma exceção à regra eleitoral, momento em que, no derradeiro ano da legislatura, os atuais detentores de cadeiras nas casas legislativas (neste ano, vereadores) podem filiar-se a outros partidos sem que percam o mandato, conforme previsto no art. 22-A, da Lei nº 9.096/95 (Lei dos partidos políticos).
Um alento para atuais vereadores que observam a dinâmica dos fatos nesse início de trajetória visando renovar por mais quatro anos os seus espaços nos parlamentos municipais. Para tornar a tarefa possível, eles começam a fazer contas, já que em menos de 30 dias, precisarão tomar a decisão sobre qual sigla melhor adequa-se à viabilização de sua reeleição, e assim migrar para ela. Nesse intervalo de tempo, o que os edis mais ouvirão serão “contos do vigário”.
São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração
Este março irá por fim a um ciclo político estratégico tanto quanto as chuvas que caem no sertão nordestino marcam a passagem do verão ao inverno. Afinal de contas, muito do que pretendiam partidos, atuais ocupantes de mandatos eletivos e virtuais candidatos de fora do mundo político, terá que mudar a rota diante das mudanças eleitorais trazidas pelo judiciário nos últimos dias. Nesse processo serão derramadas muitas lágrimas, pranto, fazendo com que as decisões dos próximos dias sejam tomadas, em parte, a contragosto pessoal. Algo penoso para alguns. Mas também essa situação será aproveitada como oportunidade pelos mais atentos, porque há, ainda, nos próximos 30 dias, outro fato relevante a acontecer: serão conhecidos nomes de servidores públicos que pretendem concorrer aos cargos de prefeito e de vereador em todas as cidades – muitos dos quais, até agora tratados apenas como objeto de especulações que dominam as discussões dos eleitores nas ruas das cidades e nos grupos do whatsapp -, porque a legislação eleitoral determina que eles se desincompatibilizem dos cargos até seis meses antes da data do pleito.
No atual estágio das tratativas, promessas inundam os bastidores políticos em todos 5.570 municípios do Brasil. Pretensos candidatos fazem planos e se imaginam já nas cerimônias de posse dos eleitos, com corações cheios de sonhos. Mas os analistas políticos apostam e advertem: as próximas 3 semanas reservarão fortes emoções e serão decisivas para os rumos eleitorais nos quatro cantos do país. Eles dizem que os eleitores e os atores políticos precisam acompanhar o sistema de filiação partidária da justiça eleitoral e os diários oficiais das prefeituras, pois ambos ‘falarão’ bastante. E no próximo dia 6 de abril, por essas horas, verdades secretas poderão vir à tona em todos os lugares, com desdobramentos que persistirão até outubro, vez que em xeque a sobrevivência política. É o jogo sendo jogado em estado bruto, por assim dizer…