O Censo e o bom senso

Decantando o tempo como em conta-gotas, o debate político vai se arvorando sobre as discussões nas esquinas, nos grupos do whatsapp, porque naturalmente a eleição de outubro é logo ali. Nas pequenas cidades o foco das conversas está na escolha dos nomes que disputarão as prefeituras; nos grandes centros, os assuntos que ocupam o dia a dia das pessoas são variados, mas um tema tem prendido a atenção dos protagonistas do processo eleitoral, embora pouco abordado pela maioria daqueles alheios à política, e ele diz respeito aos resultados do Censo de 2022, realizado pelo IBGE.

Não raro, de Brasília aos confins do país, políticos têm vociferado contra os números revelados pelo órgão oficial de estatísticas nacionais, levantando suspeitas sobre a veracidade dos dados. E o motivo não é outro, senão as implicações que a atualização das populações acarretará na composição das vagas dos estados na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores de várias cidades.

Como desdobramento do Censo, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao Congresso Nacional que, até junho de 2025, promova a revisão da distribuição das vagas a que cada estado tem direito. Via de consequência, de acordo com projeção elaborada pelo Departamento Intersindical da Assessoria Parlamentar (DIAP) sobre as mudanças prováveis, Rio de Janeiro (-4), Paraíba (-2), Piauí (-2), Rio Grande do Sul (-2), Alagoas (-1) e Pernambuco (-1) poderão perder assentos no parlamento federal, enquanto Santa Catarina (4), Pará (4), Amazonas (2), Ceará (1), Goiás (1), Mato Grosso (1) e Minas Gerais (1) terão suas bancadas ampliadas, conforme tabela a seguir:

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O Rio Grande do Norte, que ficou com a população de 3,3 milhões de pessoas, por pouco menos de 100 mil habitantes deixará de ganhar 1 vaga a mais na Câmara dos Deputados e, consequentemente, 3 a mais na assembleia legislativa; Natal (751.300) escapou de reduzir dos 29 atuais para 27 o número de vereadores, por causa de apenas 1.300 pessoas; Mossoró (264.577), por ter menos de 300.000 habitantes, perderá duas das suas atuais 23 cadeiras, e voltará a ter 21 vereadores; Canguaretama e Macau cairão de 13 para 11 vagas em seus parlamentos; e Ipanguaçu, Jardim de Piranhas, Pendências e Poço Branco deixarão de contar com 11 assentos e voltarão ao mínimo de 9 vereadores.

Além dos reflexos políticos, poderá haver também consequências financeiras, já que de acordo com estudo realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) 770 Municípios vão ter perdas de coeficiente do FPM e 249 irão ganhar. No caso dos municípios potiguares, conforme levantamento nosso, ao menos 23 prefeituras do RN (Alto do Rodrigues, Arês, Bom Jesus, Carnaubais, Canguaretama, Currais Novos, Grossos, Ielmo Marinho, Lajes, Nova Cruz, Passa e Fica, Pau dos Ferros, Pendências, Poço Branco, Santa Cruz, Santo Antônio, São Miguel, São Paulo do Potengi, São Tomé, Serra Caiada, Tangará, Umarizal e Upanema) poderão ter suas cotas de FPM reduzidas nos próximos anos, enquanto apenas 8 (Campo Grande, Extremoz, Florânia, Jaçanã, São Gonçalo do Amarante, São José do Campestre, Nísia Floresta e Tibau do Sul) poderão ter aumento dessa fonte de receita, casos os números consolidados do IBGE mantenham-se como estão.

Se de fato há algum tipo de inconsistência nos dados do IBGE, todos os impactos políticos e financeiros decorrentes do Censo de 2022 precisam ser compreendidos como consequência de como o tema fora negligenciado, entre 2019 e 2021. E agora não cabe à classe política a essa altura questionar metodologias, alegando supostamente ter ocorrido reduções populacionais significativas, a partir de comparativo equivocado entre estimativas populacionais (cálculos elaborados anualmente sem qualquer coleta de dados em campo) e o censo (contagem populacional realizada a cada 10 anos), porque a análise adequada só é possível entre variações verificadas nos censos (2010 e 2022, por exemplo).

Além disso, embora a realização em 2020 tenha sido adiada em função da pandemia da Covid-19, mas quaisquer limitações estruturais do levantamento, enquanto suporte para promoção de variadas políticas públicas, se deram justamente por obra e ação (ou omissão) de parte dos nossos congressistas, que em 2021 alocaram apenas R$ 2 bilhões no Orçamento Geral da União (OGU) para a tarefa – montante 40% inferior ao necessário estimado pelos técnicos do órgão em R$ 3,5 bilhões.

Como não há solução simples para os variados questionamentos que suscitam acaloradas discussões atualmente, e a via da judicialização por parlamentares, estados e municípios também não trará resultados no curto prazo, uma alternativa que pode ser mais efetiva é a defendida pela CNM, de realização de uma nova contagem de meio de década, costumeiramente promovida a cada 5 anos, e que poderia ocorrer já no próximo ano, em 2025, possibilitando eventuais ajustes e correções àquilo que houver de inadequado ou inconsistente.

Com bom senso por parte dos atores envolvido no processo, o Censo de 2022 poderá ter sua utilidade levada a cabo, como é o propósito essencial, e talvez os números deixem de ser um tormento para aqueles que, por conveniência pessoal, agora duvidam que 2+2 = 4.

 

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